Como entender então a Abstenção do Partido Socialista na votação do Orçamento de Estado para 2012?
"Meus caros camaradas
O país tem desde 21 de Junho um Governo de direita. Um 
governo do PSD e do CDS-PP. Este Governo dispõe de maioria absoluta. Não 
necessita de negociar com nenhum outro partido. Não tem desculpas. Basta-lhe 
decidir e executar. E é assim que tem feito. Infelizmente, tem decidido e 
executado mal.
Nestes primeiros 80 dias, já deixou três marcas: injustiça 
social, incumprimento eleitoral, insensibilidade social.
Foi assim com o 
aumento colossal dos preços dos transportes;
Foi assim com o aumento brutal 
da taxa do IVA para a electricidade e para o gás.
E foi assim com a 
criação de um imposto extraordinário sobre o subsídio de Natal.
E quero 
dizer-vos que nenhuma destas medidas estava estabelecida, ou nestes termos ou 
nestas datas, no memorando da TROIKA. Repito: nenhuma destas medidas estava 
estabelecida, ou nestes termos ou nestas datas, no memorando da TROIKA. Foi o 
Governo que escolheu estas medidas como prioridade da sua acção política. É 
o Governo o único responsável por estes aumentos de preços e de 
impostos.
Vejamos o que se passou com o imposto sobre o subsídio de Natal. 
Foi a primeira medida anunciada por este Governo. Recordam-se do que prometeu o 
actual PM? Há meses atrás, quando era líder da oposição? Que não 
aumentaria os impostos e que um imposto sobre o subsídio de Natal seria um 
disparate! Pois bem, o PM ganhou eleições com promessas de não aumentar os 
impostos, chegado ao Governo, fez precisamente o contrário.
A isso chama-se 
não honrar os compromissos com os portugueses.
Dar o dito pelo não 
dito.
Mas olhemos para esse novo imposto sobre o subsídio de Natal. Quem o 
paga? Seria normal que os sacrifícios fossem repartidos por todos os 
portugueses de forma equitativa.
Foi isso que o Governo fez? Não. O Governo 
fez, precisamente, o contrário. O Governo lançou o novo imposto sobre os 
portugueses que vivem dos rendimentos do seu trabalho e das suas pensões de 
reforma.
E quem deixou de fora dos sacrifícios? Os rendimentos do capital e 
as empresas com maiores lucros. É justo? É justo que um trabalhador que ganha 
600 euros pague imposto extraordinário e os accionistas de uma empresa que 
obteve lucro superior a dois milhões de euros não paguem rigorosamente nada? 
Para o PS não é justo, mas para este Governo é!
O PS criticou frontalmente 
este imposto e votou contra ele no parlamento. Chamou a atenção do Governo 
para também tributar os rendimentos do capital e para isentar do pagamento os 
portugueses que ganham abaixo de uma vez e meia o salário mínimo nacional. Mas 
o Governo fez orelhas moucas e chumbou as propostas do PS, demonstrando pela 
segunda vez uma enorme insensibilidade social.
O PS não desiste das suas 
propostas e propôs este mês, novamente, que a repartição dos sacrifícios 
seja feita de uma forma solidária, pagando mais quem mais tem e quem mais 
ganha. Em tempos de sacrifícios todos devem contribuir na medida das suas 
posses.
Assim poderíamos aliviar a bolsa dos portugueses que menos têm. Se 
a nossa proposta de alargar o imposto extraordinário às empresas, com lucros 
superiores a dois milhões de euros for aprovada, o Estado arrecadará mais 
receita do que a prevista com o aumento do IVA do gás e da electricidade. 
Trata-se claramente de uma escolha.
Desafio por isso, mais uma vez, o PM a 
reconhecer o erro, a voltar atrás nesta decisão e a aceitar as propostas de 
justiça social apresentadas pelo PS. Recuar, mudar de opinião, ceder a uma 
proposta séria do principal partido da oposição, não pode ser mero jogo 
político, mera contabilidade de vitórias e derrotas. Temos de olhar para as 
pessoas e perceber que há portugueses que fazem das tripas coração para 
chegar ao final de cada mês. Um aumento de 6 para 23% do IVA, dezassete pontos 
percentuais, é uma violência. Estamos perante um aumento de 280%!
Mas a 
injustiça social, o incumprimento eleitoral e a insensibilidade social não 
ficam por aqui. O ataque às pessoas, e à classe média, estende- se às áreas 
da educação e da saúde. Ainda ontem foi anunciada a redução das 
comparticipações em medicamentos e vacinas. Um novo exemplo de medidas que 
não estavam previstas e aumentam as despesas das famílias.
Cá está, mais 
uma vez o PSD e o CDS prometeram uma coisa para ganhar as eleições e estão a 
fazer outra no Governo. Prometeram cortar nas gorduras do Estado e nos consumos 
intermédios. Chegaram mesmo a quantificar esses cortes em cerca de mil e 
quinhentos milhões de euros. Chegados ao Governo foram pelo caminho mais 
fácil: o de cobrar mais impostos às pessoas. Mais impostos é receita fácil 
para o governo, mas muito difícil para as pessoas que passam os dias a fazer 
contas à vida.
Mas não ficam por aqui as promessas não cumpridas. Há um 
ano, na oposição, exigiram como contrapartida para aprovarem o orçamento de 
estado, a manutenção das deduções fiscais com despesas de educação e de 
saúde. Na semana passada, no Governo, anunciaram precisamente o 
contrário.
Aqui está mais um violento ataque à classe média e um 
estímulo à fuga e à evasão fiscal. Aliás, quero perguntar-vos: já ouviram 
falar a este Governo de alguma medida para combater a fuga e a evasão fiscal? 
Conhecem alguma palavra, alguma medida do actual Governo sobre o assunto? Este 
silêncio diz muito das prioridades e das preocupações do Governo.
Para o 
PS, não podem ser sempre os mesmos a pagar. Os sacrifícios têm que ser 
repartidos de forma justa e solidária. E é também no modo como se processa a 
repartição dos sacrifícios que se encontram diferenças ideológicas entre 
nós e o Governo.
Este Governo não governa a pensar nas pessoas. Governa a 
pensar nos mercados. E fá-lo por uma razão ideológica, pois acredita, 
erradamente, na auto-regulação dos mercados. A tese de que a austeridade 
acalma os mercados e gera confiança para garantir a recuperação económica 
está por demonstrar. Entretanto, milhares de portuguesas e de portugueses 
perdem os empregos, tem menos cuidados de saúde, tem menos dinheiro e vivem 
pior.
Este é o preço que os portugueses vão pagar pela receita deste 
Governo.
E não venham com desculpas. Esta receita não está no memorando da 
troika. É a receita do actual Governo. Não é a receita do PS.
A posição 
do PS é muito clara: Respondemos, e só respondemos, pelas medidas que tiverem 
a nossa assinatura. Não passamos cheques em branco.
E temos toda a 
legitimidade para o dizer, porque o Governo conhece bem a nossa posição desde 
que fui eleito líder do PS.
O recente Documento de Estratégia Orçamental 
é a derradeira prova de que o Governo tem uma agenda mais penalizadora para os 
portugueses do que o próprio Memorando.
Os portugueses conheciam os 
sacrifícios previstos no Memorando. Os portugueses não compreendem e não 
aceitam mais sacrifícios como o Governo quer impor. O PS está ao lado dos 
portugueses contra estes novos sacrifícios.
Existe outro tema em que eu 
quero deixar muito vincada a nossa posição. O PS é contra a privatização 
das Águas de Portugal e é contra a privatização da RTP. O Governo quer ir 
mais uma vez para além do Memorando da Troika.
É evidente que temos um 
Governo e uma maioria que a pretexto do programa de ajuda externa quer levar por 
diante uma agenda ideológica de direita. A agenda mais radical que a direita 
já apresentou nas últimas décadas. É da maior importância para os 
portugueses deixar claras as nossas principais diferenças políticas e 
ideológicas com este Governo.
E se quero sublinhar estas diferenças é 
porque estão em causa opções fundamentais para a vida das pessoas, quanto ao 
nosso futuro colectivo, quanto à visão que temos para o País e quanto ao 
modelo de sociedade em que queremos viver.
A primeira diferença diz respeito 
à Constituição. O pacto fundamental que rege a nossa vida colectiva, a 
organização do Estado, os valores que defendemos e os ideais em que nos 
revemos.
O PSD apresentou um projecto de revisão constitucional que rompe o 
pacto e o consenso constitucional em pelo menos dois aspectos fulcrais: o 
equilíbrio das relações laborais; e as funções sociais do estado (SNS, 
Escola Pública e Segurança Social Pública).
Nestas matérias a nossa 
posição é conhecida e é absolutamente clara: o Partido Socialista revê-se 
no essencial do actual texto constitucional e nos seus equilíbrios essenciais; 
o PS não está disponível para sufragar uma agenda de enfraquecimento do 
estado social; o PS não está nem estará disponível para viabilizar propostas 
que alteram drasticamente o equilíbrio das relações laborais a prejuízo dos 
trabalhadores.
É minha convicção que a maioria dos portugueses e das 
portuguesas nos acompanha nesta posição. Nenhum dos graves problemas do País 
tem raiz constitucional. Não é a Constituição que é responsável pela crise 
financeira internacional. Tal como não é a Constituição a responsável pela 
apatia política que hoje atinge a Europa.
O problema não está na 
Constituição. Está nas políticas, nos programas, na visão e na capacidade 
para mobilizar os portugueses para um novo ciclo de progresso, de modernização 
e de desenvolvimento sustentável.
Uma segunda diferença fundamental é o 
que inspira a governação. Com o PS os portugueses sabem que esse valor é a 
igualdade.
E é o que queremos dizer quando falamos de uma governação para 
as pessoas. Mais igualdade significa melhor redistribuição. Mais igualdade 
significa mais oportunidades para todos. Mais igualdade significa mais equidade 
na repartição dos sacrifícios. Mais igualdade significa uma especial 
atenção aos mais desprotegidos e desfavorecidos.
Em suma, a ideia de que 
quanto maior o bem-estar de todos mais protegido está o bem-estar de cada um. A 
ideia de que a realização individual se protege melhor no quadro de uma 
sociedade com menos desigualdades e com mais justiça social.
Com o actual 
Governo sabemos que não é assim. E todos os dias vemos exemplos de uma 
governação cuja ideia central é a de que a sociedade é um avatar do mercado, 
em que cada um cuida de si. Para o Governo a igualdade é uma espécie de 
prémio da acção espontânea do mercado, que ora vai para uns ora vai para 
outros. Para a direita, a igualdade não é, como é para nós no PS, um valor 
ético, um dever que a sociedade impõe a si mesma concretizar.
As 
consequências estão à vista de todos: Estado mínimo, aceitação das 
desigualdades como a ordem natural das coisas e os mercados acima dos interesses 
das pessoas. Para o PS as desigualdades e a exclusão social não são uma 
inevitabilidade e devem estar no centro das políticas públicas.
Terceira 
diferença: a questão dos direitos sociais em contraponto às políticas 
assistencialistas do Governo. Por aqui passa a linha de fronteira mais visível 
entre a direita e a esquerda; entre a visão conservadora e a visão 
progressista, que é a nossa, e que é também a visão da social- democracia 
europeia.
O que aqui está em causa é sério, é mesmo aquilo que de mais 
sério há na política: o valor da dignidade da vida humana.
Não discuto as 
convicções de cada um, nem a acção generosa e desinteressada das entidades 
privadas de solidariedade social, pelas quais temos o maior respeito.
O que 
aqui está em causa é o facto de o actual Governo assumir que a política 
social é uma espécie de assistência aos mais pobres e carenciados da nossa 
sociedade. Uma assistência sempre provisória, sempre desconfiada e sempre 
excessiva por ser para quem é. A caridadezinha.
Esta visão das políticas 
sociais que confunde benesses e esmolas com direitos é um retrocesso 
civilizacional sem paralelo na nossa história democrática. E é preciso 
dizê-lo sem ter medo das palavras: é uma violação da dignidade das pessoas. 
É uma ofensa à ética democrática e à consciência republicana.
Assumo um 
compromisso perante vós e perante os portugueses. Com um governo do PS nunca 
haverá programas assistencialistas para aliviar o fardo da pobreza dos 
necessitados nem para aliviar a consciência de governantes. Para o PS não há 
portugueses de primeira nem portugueses de segunda. Haverá, isso sim, 
políticas sociais de combate às desigualdades e às injustiças com pleno 
reconhecimento dos direitos sociais e políticos das pessoas. O investimento 
social é a nossa marca. A marca do novo ciclo de políticas sociais.
Há uma 
quarta diferença de que vos quero falar e que é nos dias de hoje um tema 
central da governação na Europa e no mundo desenvolvido. A questão do rigor 
orçamental, do défice e da dívida pública. Contas públicas equilibradas e 
rigor orçamental são condições necessárias para garantir a sustentabilidade 
do Estado e das políticas públicas. Nesta matéria há na Europa um consenso 
que abrange praticamente todas as famílias políticas.
Como sabem, a direita 
costuma reivindicar para si própria o troféu do rigor orçamental.
Devo dizer 
que essa pretensão não tem fundamento histórico.
A diferença entre nós e 
o actual Governo, não está no compromisso com o rigor orçamental. A 
diferença está no objectivo, na finalidade dessa opção política por 
finanças públicas equilibradas.
Para o Governo o rigor orçamental é um 
fim em si mesmo que deve existir porque os mercados assim o exigem. Para a 
esquerda democrática a exigência de rigor nas contas públicas tem a ver com 
as pessoas e não com os mercados.
Para o actual Governo o equilíbrio é o 
principal problema. Para nós, PS, o principal problema de Portugal é o fraco 
crescimento económico. Qualquer consolidação das contas públicas que não 
esteja ligado a crescimento económico não serve os interesses dos portugueses. 
É um desastre pelo qual vamos pagar muito caro.
É assim que deve ser porque 
a política não deve estar ao serviço dos mercados. A política, tal como eu a 
entendo e a pratico, deve estar ao serviço das pessoas.
Meus caros 
camaradas
Esta diferença ideológica sobre as finalidades do rigor 
orçamental não é uma diferença teórica. Tem efeitos práticos na nossa vida 
e está, hoje, à vista de todos, no modo como o actual Governo interpreta e 
está a executar o memorando da troika.
A verdade é que o Governo não está 
a executar esse programa por necessidade, mas por convicção. E é por essa 
razão que está sempre a “ir muito para além do programa da troika”, com todas 
as consequências negativas para as pessoas e para a economia a que já me 
referi.
O actual Governo optou por somar mais austeridade à austeridade que 
já decorre do programa de assistência financeira. O Governo escolheu o caminho 
errado. O caminho do PS e, estou convencido, o da maioria dos portugueses, é o 
do crescimento económico sustentável, apostando na qualificação dos 
portugueses, enfrentando os problemas da produtividade e da competitividade, 
apoiando as empresas exportadoras e as empresas que estão disponíveis para 
aumentar a produção de bens transaccionáveis, diminuindo, assim, a nossa 
dependência externa.